segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O mensalão aos olhos do mundo, por Augusto Nunes (de Veja)



Veja como a imprensa internacional enxergou o começo do julgamento do mensalão:


O diário britânico The Guardian ilustrou com uma foto do ex-ministro José Dirceu a reportagem sobre 'o julgamento do século' no Brasil


O americano Chicago Tribune informou que o desfecho do escândalo pode comprometer o legado de Lula


O site da rede britânica BBC noticiou o começo do julgamento em sua página principal


A emissora americana CBS enxergou no julgamento "um sinal positivo" para um país historicamente marcado pela corrupção impune


A agência americana Bloomberg abriu sua reportagem com uma interrogação: José Dirceu pode acabar na cadeia?


O argentino La Nación referiu-se ao caso como "o julgamento do século" e assim definiu o mensalão: "um gigantesco esquema de compra de apoio político com fundos públicos, que envolveu altos funcionários do Partido dos Trabalhadores (PT) e afetou o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva".


O jornal paraguaio 'La Nación' ilustrou a reportagem com uma foto de Lula e registrou que, no grupo de réus, figuram ex-ministros, ex-deputados, empresários e banqueiros


O espanhol ABC considerou o caso "um escândalo sem precedentes, o maior da história brasileira"


A agência italiana Ansa destacou a participação de José Dirceu no esquema


A biografia de Lula publicada no The New York Times registra a pressão exercida pelo ex-presidente sobre o ministro Gilmar Mendes para adiar o início do julgamento


O Wall Street Journal enfatizou que o escândalo de corrupção não é prejudicial apenas à imagem do PT, mas também ao "popular ex-presidente Lula"


Em primeiro de agosto, a publicação italiana Corriere Della Sera noticiou o início do julgamento do mensalão


O jornal francês Le Monde noticiou a entrevista de Marcos Valério a VEJA

Tags: imprensa internacional, José Dirceu, julgamento do mensalão, Lula, PT


Direto ao Ponto
O chefe do mensalão só poderia ter sido o mandão que sempre se meteu em tudo


Autoritário desde a infância, espaçoso desde a adolescência, mandão desde sempre, Lula só faz o que lhe dá na telha, só ouve quem lhe convém e só consulta os que estão prontos para dizer amém. Sozinho, o presidente de sindicato escolhia os parceiros de diretoria, negociava com os patrões, decretava o começo ou o fim da greve. Sozinho, o dono do PT decidiu que o vermelho seria a cor e a estrela seria o símbolo da seita, escolheu os fundadores do clube, distribuiu as carteirinhas de sócio, confiscou-as quando bem entendeu, promoveu-se a presidente de honra e, depois, nomeou-se candidato perpétuo ao Palácio do Planalto.

O presidente da República montou o ministério à sua imagem e semelhança, empregou e demitiu quem quis, intrometeu-se em assuntos que mal conhecia ou ignorava completamente, elegeu novos amigos de infância, afastou-se de velhos amigos da mocidade, proclamou-se consultor-geral das nações em crise e virou conselheiro do mundo.O ex-presidente é o mais feliz dos portadores da síndrome de Deus. Dá ordens à sucessora, indica ministros, dá palpites na economia, elogia o Brasil Maravilha de cartório, interfere na escalação do Corinthians e negocia a construção do Itaquerão. Fora o resto.

Desde o começo do ano, entre um ataque a FHC e um pontapé em José Serra, o Lula palanqueiro escolhe candidatos a prefeito, vereador ou síndico. Fechou negócio com Paulo Maluf, aposentou Marta Suplicy por antiguidade, botou na cabeça que Fernando Haddad deve governar São Paulo, arrumou confusão com o PSB, decidiu que Humberto Costa será o derrotado no Recife e Patrus Ananias merece naufragar em Belo Horizonte. Pelo andar da carruagem, o PT amargará o maior fracasso eleitoral desde a fundação. E nem assim os companheiros ousam discordar do intuitivo genial.

Quem manda é ele, o oráculo infalível, o guia incomparável, o Cara. Por isso se mete em tudo e deve ser ouvido por todos. É sempre dele a última palavra. Sem o aval do mestre, nada deve ser feito. No caso do mensalão, por exemplo, ele decidiu o que o Executivo e o Legislativo deveriam fazer para livrar da cadeia os culpados. E avisou que cuidaria de enquadrar os ministros do Supremo.

Não deu certo, comprovam a fila dos condenados e as revelações de Marcos Valério divulgadas por VEJA. O Lula retratado pelo diretor-financeiro do bando não surpreendeu ninguém. Assombrado pela roubalheira sem precedentes, ele continua fingindo que, pela primeira vez na vida, não soube de nada, não se envolveu em nada, não lhe contaram nada. Nem desconfiou do que ocorria na sala ao lado.

Conversa de gente com culpa no cartório. Quem o conhece sabe que, como sempre, também no esquema do mensalão o chefe foi Lula.


O São Jorge de bordel nem desconfia que farra foi longe demais e a casa pode cair


Em agosto de 2005, num texto publicado no Jornal do Brasil, lembrei que a vida de adolescente em cidade pequena era bem menos divertida antes da revolução dos costumes desencadeada no fim dos anos 60. As moças se casavam virgens, motel só aparecia em filme americano, drive-in era coisa da capital. A esfregação nunca ia muito longe. E também os moços pouco ou nada saberiam de sexo se não houvesse, em qualquer município com mais de 10 mil habitantes, uma zona.

Ninguém chamava pelo nome completo ─ zona do meretrício ─ aquele punhado de casas com uma luz vermelha na varanda, plantadas no difuso território onde a cidade já acabou sem que o campo tenha começado. O mobiliário se limitava à mesa com cinco ou seis cadeiras, um sofá, três ou quatro poltronas e uma vitrola antiga. Às vezes, nem isso. Só não podiam faltar a cama de casal em cada quarto e o quadro de São Jorge na parede da sala.

Bonito, aquilo. As vestes de guerreiro, o corcel colérico, a lança em riste, o dragão subjugado, as imagens beligerantes contrastavam esplendidamente com a expressão beatífica. Todo santo de retrato é sereno, mas nenhum se mete com monstros que soltam fogo pelas ventas. Só um São Jorge de bordel poderia arrostar tamanho perigo com aquela fisionomia plácida que sublinhava o espetáculo da coragem.

Concentrado no duelo tremendo, o exterminador de dragões não prestava a menor atenção no que acontecia fora do retrato. Na sala, mulheres e fregueses negociavam o acerto que os levaria a algum dos quartos escurecidos pela meia-luz que eternizava o crepúsculo. Deles não paravam de chegar sons muito suspeitos, mas o santo guerreiro nada ouvia. Estava na parede para proteger a zona do meretrício, não para vigiá-la nem convertê-la em convento. Quem luta com dragões não perde tempo com batalhas de alcova.

São Jorge de bordel era chamado naquele tempo todo homem que mantinha a cara de paisagem enquanto desfilavam a um palmo do nariz iniqüidades, bandalheiras, delinqüências e safadezas domésticas. O filho abandonara os estudos e voltava da rua com mais dinheiro, a filha se apaixonara pelo cafajeste do bairro e exagerava na pintura no rosto, a mulher vivia arrastando vizinhos para o quarto do casal, o sobrinho furtava as economias da avó ─ e a tudo seguia indiferente o chefe de família. Como um São Jorge de bordel.

Como um São Jorge de bordel sempre agiu Luiz Inácio Lula da Silva. O advogado Roberto Teixeira nunca lhe cobrou aluguel pela casa onde viveu durante oito anos. O inquilino fez de conta que nem notou. Em 2002, sobrou o dinheiro que faltara a todas as campanhas anteriores. O beneficiário não quis saber como se dera o milagre. Tampouco perguntou quem financiara a milionária festa da vitória na Avenida Paulista.

Instalado no gabinete presidencial, não enxergou as agudas mudanças na paisagem. Bons parceiros como Djalma Bom estacavam na secretária do ajudante de ordens. Entravam sem bater na sala presidencial aliados como Pedro Correia ou Valdemar Costa Neto. Fundadores do PT eram expulsos do partido. Roberto Jefferson ganhava cheques em branco. Contratos milionários engordavam a base alugada. Lula nem conferia rubricas, assinaturas e endossos.

Sílvio Pereira e Delúbio Soares se tornaram clientes assíduos dos palácios, ganharam salas para negociar com a freguesia, assimilaram hábitos de novo-rico. O dono da casa não enxergou o entra-e-sai, não ouviu o ronco do Land Rover de Silvinho, muito menos a barulheira dos jatinhos de Delúbio. Não percebeu que sindicalistas promovidos a diretores de banco agora usavam gravata borboleta, fumavam charuto e davam gorjetas do tamanho dos salários dos tempos difíceis.

Despertado pelo ruído provocado por Waldomiro Diniz, Lula voltou a dormir depois das explicações sussurradas por José Dirceu. Não ouviu o governador de Goiás, Marconi Perillo, assombrado com a desenvoltura dos trambiqueiros aliados que tentavam comprar mais deputados. Não quis ouvir a mesma denúncia repetida por Roberto Jefferson. Não enxergou a expansão do pântano. Não viu as marcas de lama nos tapetes do Planalto.

Numa zona de antigamente, a figura protetora desceria da parede para botar ordem na casa. Num Brasil em decomposição moral, o São Jorge de bordel só quebra o silêncio para berrar improvisos insensatos. Que os outros santos nos protejam.

Passados sete anos, o São Jorge de São Bernardo faz de conta que nem sabe direito o que se passa no Supremo Tribunal Federal. Jura que, em vez de acompanhar o resgate da roubalheira de verdade, prefere gastar o cérebro baldio seguindo as bandalheiras inventadas pela novela das nove. A fila dos condenados aumenta, mas Lula continua fingindo que nada viu, nada ouviu e de nada soube.

Marcos Valério começou a abrir a medonha caixa preta. Pela primeira vez, como registra o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, uma alta patente da quadrilha confirmou que falta alguém no banco dos réus do Supremo. Nem assim o chefe da seita se anima a falar em mensalão. Acha que vai ficar até o fim dos tempos pendurado no retrato na parede.

Não percebeu que a farra na zona foi longe demais e descambou para o terreno da pouca vergonha. Nem desconfia que a casa vai cair.



(por Augusto Nunes)



Fonte: Blog Augusto Nunes (veja.com.br)

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