quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O risco de um apagão estratégico!

Panorama do setor revela a importância das usinas ampliarem as discussões estratégicas e ajustar o foco do negócio

Josias Messias, da ProCana Brasil

Há um provérbio que diz de que há tempo para cada coisa e propósito para todo o tempo. A história do setor demonstra que é prudente aproveitar os tempos de vacas gordas para se preparar para o tempo das vacas magras. E estes sempre acometeram e continuarão a acometer as usinas, se não houver uma mudança significativa na visão estratégica destas.
Embora ostente números de produção e arrecadação gigantescos e impresionantes, o setor sucroenergético brasileiro tem sobrevivido e crescido em meio a diversas contradições estratégicas, razões pelas quais, ao invés de atenuar os ciclos produtivos, os tem reforçado.
Há uma frase que resume bem esta situação: quando tem produto, não tem preço e quando tem preço, não tem produto! Ao observar a situação atual e o cenário que se apresenta, não tenho dúvida de que as usinas brasileiras devem aproveitar os bons resultados deste momento para repensar suas estratégias e definir seu futuro na atividade sucroenergética. Com o objetivo de contribuir com essa discussão, a ProCana Brasil apresenta um estudo, a partir de informações da safra 2010/11 do Anuário da Cana 2011 e de outras fontes, que permite traçar um panorama da situação atual e das tendências que envolvem o setor na próxima década.

Análise atual


UM NOVO CICLO DE MUDANÇAS

O setor sucroenergético é dinâmico e está vivenciando um novo ciclo de mudanças, marcado por algumas tendências, as quais listamos abaixo:

CONSOLIDAÇÃO

A consolidação cresce no setor. Hoje, os primeiros 20 grupos que lideram o ranking de moagem já respondem por 47% da produção brasileira, ou seja, concentram praticamente metade da produção. E diversos estudos dão conta que até 2020 mais de 80% da produção deverão estar nas mãos de 20 grandes grupos.
Na outra ponta, temos um enorme contingente de 214 usinas e destilarias independentes com moagem inferior a 1,5 milhão de toneladas de cana, que produzem praticamente metade do volume dos 20 grandes grupos. Representando quase metade (48,86%) das unidades em funcionamento, produzem apenas 24,01% da moagem nacional.
Fica evidente que o controle da produção sucroenergética no Brasil encontra-se ainda bastante pulverizado, e que há um bom espaço para consolidação no setor!

INTERNACIONALIZAÇÃO

Haverá crescente internacionalização. Prevê-se que em 2020, 2/3 das empresas nacionais terão participação de capital internacional. O controle poderá ser nacional, mas a principal fonte de capital será externa. Os grandes grupos atuais vão crescer e outros novos entrarão, em sua maioria empresas dos setores de petróleo, energia, infraestrutura e tradings, com investimentos próprios e facilidade de acesso a capital de baixo custo, internacional ou BNDES. Há muito capital disponível no mundo e, com a crise nos países chamados desenvolvidos, o foco dos investidores passou a ser os países emergentes, dentre os quais se destaca o Brasil. E no Brasil, os setores de infraestrutura, (bio)energia e agronegócio continuarão atrativos. Assim, o setor sucroenergético continuará recebendo, direta ou indiretamente, grandes volumes de capital.

CONCENTRAÇÃO DE PODER

Aqui entra o que chamo de as 7 irmãs. Ou seja, dentre os 20 grupos, 7 serão predominantes. A concentração é algo natural, porque o setor encontra-se em um mercado de livre iniciativa, com baixo nível de regulação e, sobretudo, porque o setor está inserido na bioeconomia, que assume posição estratégica a nível global.

INTEGRAÇÃO DE MERCADOS

Até 2020, 70% da produção estará nas mãos de grupos que manterão participação integrada no mercado, com presença em diversos elos da cadeia, na produção, distribuição, até o destino ou consumidor final. O único elo que deve permanecer fora desta integração é o de bens de capital, tradicionalmente pulverizado e que agrega pouco valor ao negócio.

MUDA O CENÁRIO, MUDAM AS USINAS

O ambiente em que as usinas estão inseridas está cada vez mais complexo e as cobranças da sociedade e do consumidor, esteja ele onde estiver, serão cada vez maiores. Somando-se as tendências apresentadas, crescem os desafios a serem enfrentados pelas unidades produtoras, independentemente do tamanho e da região em que se localiza.

Desafios atuais

Equação Socioambiental

Atender às cobranças da sociedade (toda usina tem alto impacto na comunidade local e seus produtos na sociedade brasileira). Cada vez mais as usinas terão que se reportar à sociedade como um todo e às comunidades onde estão estabelecidas.
Mais do que ações sociais paternalistas ou de ecologismos, as usinas terão que adotar a responsabilidade socioambiental como parte fundamental de sua estratégia de negócios, e implantar políticas, programas e certificações complexos e caros, baseados em conceitos objetivos e técnicos. Isto é inevitável porque toda a atividade agroenergética está intrinsicamente ligada aos valores da sustentabilidade, desde as implicações do uso do solo até o forte apelo ambiental do etanol e da bioeletricidade.


Capacitação profissional e Retenção de mão de obra

Gente de valor – As usinas descobriram que não basta ter um “departamento pessoal” organizado, mas se faz necessário investir em formação e gestão de pessoas e criar um ambiente propício para que os colaboradores permaneçam satisfeitos e com boas perspectivas na empresa. Afinal, há uma escassez de mão de obra qualificada.

Integração de Produtos / Atuação em nichos

Contar com um casamento bem-sucedido entre as áreas estratégica, comercial, logística e financeira passou a ser um fator de sobrevivência para as usinas. Para os pequenos que atuam só com commodity, ou seja etanol combustível e açúcar para exportação, associar-se aos pools de comercialização deve ser uma alternativa interessante, que reduz despesas comerciais e deve incrementar o preço médio auferido. De que adianta investir pesado para ter um ganho produtivo de 5% e perder 10% numa comercialização ineficiente. Os pools de comercialização permitem às usinas associadas auferirem os resultados de um grande player, mas sem sofrer ingerência no controle ou gestão interna do seu negócio.

Exemplos - Recentemente a Usina Ruette se associou à SCA e o Grupo Aralco se associou à Copersucar. O diretor financeiro da Aralco, Fábio Pelho, ressalta que essa associação fortalece grupos independentes, como a Aralco, que não teriam condições de sustentar investimentos vultosos necessários em logística e na comercialização, além da própria indústria da cana-de-açúcar na região de Araçatuba. “O modelo da Copersucar é bastante atrativo para nosso grupo, pois permite a manutenção da autonomia operacional de nossas usinas e, ao mesmo tempo, possibilita a nossa participação em toda a cadeia do negócio”, afirma.
Outra vertente é focar a comercialização em nichos de mercado, para atender consumidores com características especiais ou de regiões específicas. Para o etanol, um caminho pode ser a liberação da venda direto a postos sem a exigência de passar pelas distribuidoras. Esta é uma ação que pode interessar a unidades pequenas e não localizadas próximas a grandes polos produtores ou consumidores, mas que não deve atrair o interesse dos grandes grupos.

Competitividade

Cresce a economia brasileira, cresce o setor, crescem os grupos produtores. O nível de competitividade das unidades também terá que ser maior. A competição por terra e capital deve se acirrar, assim como as exigências e dificuldades de acesso a mercados.
Com a produção regionalizada em polos, a tendência é que se intensifique a concorrência entre usinas vizinhas pela cana-de-açúcar e por funcionários, a exemplo do que acontece hoje na região de Sertãozinho - SP.

Capital de Giro - Apenas os grandes grupos e os médios bem estrurados continuarão a ter acesso a recursos com baixo nível de riscos e taxas, e perfil de longo prazo.
Lucratividade – Este é o único item em que pequenos e grandes podem se equiparar. A dificuldade dos pequenos é que mesmo alcançando altas margens, os recursos são insuficientes para fazer frente aos desafios e crescer, pois a história recente demonstra que a implantação ou a aquisição de novas unidades implica num alto nível de alavancagem, e portanto de exposição a endividamento e riscos.
Neste quadro, quem está conseguindo se dar menos mal são os grandes grupos produtores, não que eles sejam os mais rentáveis mas porque não dependem do retorno rápido do capital investido.
Construir greenfields, por exemplo, devido aos altos investimentos necessários para a formação da lavoura e tempo de maturação, só compensa para quem conta com capital de baixo custo e risco. Ou seja, greenfield agora é só para cachorro grande. E olha lá!


CONSEQUÊNCIAS PARA AS USINAS

REALINHAMENTO ECONÔMICO OU ESTRATÉGICO?

Não bastasse o aumento nos custos de produção, os desafios e dificuldades listados vêm resultando também no aumento das despesas extraprodução das usinas.
A questão é que num momento de preços remuneradores como o atual, ainda dá para tocar, mas basta uma ou duas safras de preços baixos para comprometer a situação econômica da maioria dos pequenos grupos e unidades independentes.

OTIMIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO CONSTANTE

Otimização e reestruturação passam a ser não apenas palavras, mas ações constantes nas usinas. Eficiências conquistadas em safras pasadas podem não ser adequadas aos novos desafíos e ambiente de negócios. A dinâmica atual do setor requer novas mentalidades e competências. Quem vai permanecer no setor são aqueles que entendem que a usina deixou de ser um mero produtor/processador de cana mas um indutor de estratégias de mercado. Não basta só produzir com eficiência, mas contar com estratégias bem-sucedidas de sustentabilidade e crescimento, fundamentais para a perpetuação do negócio.

GESTÃO AVANÇADA É O MÍNIMO

Visão de longo prazo, foco estratégico, governança corporativa, business intelligence?
Sim e muito mais! Devido ao porte, complexidade e abrangência da atividade sucroenergética, somente as usinas que alcançarem níveis avançados de gestão é que permanecerão no mercado.

USINAS NO VALE DA DECISÃO

É evidente que o ambiente atual gera uma sensação de insegurança nos empresários tradicionais. Afinal, antes quem tinha uma usina tinha poder, era reconhecido. Se não era admirado, pelo menos era respeitado. Mas agora, o patamar mudou. São os grandes que passaram a ditar o ritmo e o rumo político, institucional e mercadológico do setor. No fim, pode surgir a seguinte sensação: ¨Vou continuar lutando para quê?¨ Os empresários também já perceberam que as soluções antigas não servem mais. Não adianta recorrer ao governo, também não adianta tomar “atalhos” para cortar custos a qualquer custo, como terceirizações amadoras, uso de materiais e insumos de qualidade inferior, etc. Ganharam a consciência de que o futuro da empresa não pode ser fundamentado em paliativos.
Mas os olhos do empreendedor têm que estar voltados para o futuro. O cenário, não apenas para as usinas, como para o País, é que o próximo ano será decisivo e oportuno para um salto rumo a uma nova fase. Ou o produtor aproveita este momento como oportunidade para repensar sua empresa, parando de fazer as coisas no automático e passando a agir estrategicamente, ou ficará inerte diante das circunstâncias que virão.

FATORES PARA TOMADA DE DECISÃO

A meu ver, como tem ocorrido na ProCana Brasil, creio que este momento requer bastante pragmatismo na tomada das decisões, que devem ser fruto de uma análise objetiva da realidade e das tendências apontadas. Sem a interferência de paixões e vaidades pessoais.

Avaliação da competência societária

A continuidade e sucesso do negócio depende das perspectivas e comprometimento dos sócios e herdeiros. Antes de cuidar do negócio em si, temos que avaliar a saúde da cabeça, pois há um ditado que diz que “quando a cabeça não pensa o corpo padece”.
A maioria dos empresários do setor tem sua origem no campo, na agropecuária, que aproveitaram a esteira do Proálcool para se tornar um industrial. Portanto, são pessoas de perfil conservador, muito ligados à terra, à família, às tradições. São de uma geração que, se ainda não passaram pelo processo de sucessão, devem passar em breve.
Creio que esta é a hora ideal para rediscutir a visão e interesse dos sócios e herdeiros, de como estes veem a perpetuação da empresa diante das tendências e desafios. Talvez um ou outro tenha objetivos divergentes e a melhor decisão, no caso, é sair para que os que fiquem toquem o negócio de forma harmônica e focada.
Talvez, a geração remanescente queira continuar tocando o negócio, mas os resultados claramente demonstram que, individual ou coletivamente, não possui competência ou comprometimento suficientes para os desafios da empresa. As alternativas estão lançadas no campo, profissionalização total, associação, fusão, venda, mas cada uma delas possui implicações que devem ser friamente confrontadas.

Avaliação da saúde financeira – O coração e pulmão da empresa.
A estrutura financeira é outro fator decisivo, pois todo o cenário futuro não representa nada diante da situação financeira atual. Se a empresa se encontra com alto grau de endividamento e, ainda que se amplie a eficiência e rentabilidade nos níveis máximos do setor, as contas demorariam muito para fechar no azul, então não há o que decidir. Ou fecha ou vende, afinal é melhor ser um coadjuvante de sucesso do que um protagonista fracassado.
Por outro lado, ainda que todo o cenário seja desafiador, mas a empresa esteja muito capitalizada, com folga para bancar ciclos de dificuldades, então também não há o que decidir.
O fato de que a maioria das unidades está apresentando Ebitda acima de 20%, mas também 30 unidades ou pequenos grupos estão em recuperação judicial, me diz que a realidade não é nem tão azul nem vermelha, é amarela! Como dito anteriormente, a dificuldade dos pequenos é que mesmo alcançando altas margens, os recursos são insuficientes para fazer frente aos desafios e crescer. Desta forma, ainda que estejam neste momento, estes permanecerão à margem do crescimento e evolução do setor! Recursos para crescer não faltam e estão disponíveis. Mas exigem bons projetos, e bons projetos requerem competência e decisões ousadas!

Avaliação do corpo – A competitividade da empresa

Dizem que ninguém atira em cachorro morto. Não sei não, a gente tem visto alguns empresários gastando bala em algumas unidades que já eram para estar desativadas! Se devemos ser pragmáticos, então a melhor coisa é avaliar claramente qual o potencial produtivo e econômico da unidade. Se as condições edafo-climáticas são favoráveis e se consegue, sem investimentos proibitivos, ter índices de produtividade agrícola e industrial compatíveis com os concorrentes locais. Afinal, a escala de produção é um fator chave para o desempenho econômico das usinas, e muitas unidades não conseguem alcançar o Ponto de Equilíbrio (PE), portanto a viabilidade econômica, por conta da escala.
Na minha visão, as unidades que não têm potencial para alcançar o PE em menos de duas safras, terão muitas dificuldades no futuro, e já deveriam adotar outras estratégias o mais breve possível.
A Galo Bravo, de Ribeirão Preto, é um bom exemplo de inovação estratégica: devido a dificuldades para obter matéria-prima e alcançar escala/PE , está sendo desmontada e transferida integralmente para uma região com grande potencial de fornecimento de cana.
Enfim, é tempo de tomar decisões. Espero estar contribuindo para que não se repita os equívocos cometidos nos bons ciclos do passado. Espero que as usinas, animadas com os resultados positivos do momento, não incorram novamente no erro de ter um apagão estratégico.




Fonte: Jornal da Cana

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