Os preços agrícolas concluíram a escalada iniciada há sete anos, mas não devem sofrer um colapso. Para o economista Christopher Hurt, da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, a tendência é que a agricultura experimente um longo período de "moderação".
O economista vê um cenário de crescente equilíbrio entre oferta e demanda por alimentos, margens de lucro mais apertadas no campo e menos estímulos ao aumento da produção, mas minimiza a possibilidade de uma crise estrutural.
Para Hurt, os mercados exploraram de maneira exagerada o potencial de aumento da demanda global e subestimaram a capacidade de reação da oferta. "Ouvimos muito que teremos de alimentar 9 bilhões de pessoas até 2050, que seria impossível aumentar a área plantada. Isso é uma bobagem. Há enormes extensões de terra e muita tecnologia a serem incorporadas".
Segundo o estudioso, mais de 60 milhões de hectares foram adicionados à agricultura em todo o mundo desde 2005, com aumentos expressivos de produtividade em países como a China. "Não há um setor da economia em que um choque de demanda não tenha sido correspondido por um aumento da oferta. E se não é possível aumentar a oferta, então se muda o padrão de consumo. Nós, americanos, cortamos o consumo de carnes em 10% nos últimos anos. E ainda podemos cortar muito mais. As pessoas mudam, se adaptam. A gente pode comer diferente".
O economista afirma que a demanda chinesa por carnes (e, consequentemente, a de milho e soja para a produção de ração) tende a desacelerar nos próximos anos, assim como o uso de milho para a fabricação de etanol nos EUA. "A China é a grande locomotiva da demanda, e o fato é que sua economia está desacelerando. Isso vai reduzir o ritmo da transição alimentar pela qual está passando, o que significa que o consumo de carnes vai crescer menos".
Hurt acrescenta que, a despeito da economia mais fraca, o consumo per capita de proteínas animais (incluindo o de pescados) na China pode se aproximar dos patamares observados nos países desenvolvidos num prazo de cinco a dez anos. "Isso realmente vai reduzir o ritmo de crescimento da demanda por grãos, o que significa uma maior competição, entre EUA e América do Sul, pelo que a China vai comprar".
O economista observa ainda que os EUA já estão próximos de atingir a meta para a produção de etanol a partir do milho (de 15 bilhões de galões) estabelecida pela Lei dos Combustíveis Renováveis (RFS, na sigla em inglês). O mandato determina que a produção de biocombustíveis deve mais do que dobrar, a 36 bilhões de galões, até 2022. Mas impõe que praticamente todo o aumento daqui para frente venha de fontes mais eficientes que o milho, como a celulose e a cana-de-açúcar.
Desse modo, o consumo de milho para a produção de etanol - que mais do que dobrou desde 2007, para quase 125 milhões de toneladas anuais - está se estabilizando. "Os biocombustíveis implicaram um enorme aumento da demanda por milho, mas atingimos um platô".
O economista alerta, porém, que será impossível atingir as metas da RFS nos próximos anos, uma vez que a produção de etanol a partir da celulose ainda engatinha. Além disso, no lado da demanda, a evolução do etanol nos EUA é restringida pelo que Hurt chama de ´blend wall´ - ou barreira da mistura. "As redes varejistas de combustíveis, que são controladas pelas companhias de petróleo, não querem ser obrigadas a misturar mais do que 10% de etanol na gasolina, não querem que o governo lhes tome mais do que isso".
Diante desse cenário, o Congresso americano pode rever a RFS. Para Hurt, este é o principal fator de incerteza em relação à demanda por grãos nos próximos anos.
Os agricultores americanos pressionam pelo aumento dos volumes de etanol de milho, mas enfrentam resistência crescente por parte da indústria de aves e das associações de consumidores. "O argumento desses grupos é: ´Revoguem a lei. Estamos destinando uma enorme quantidade de matéria-prima para fazer combustíveis, elevando os preços dos alimentos, tirando dinheiro dos consumidores pobres e dando aos fazendeiros ricos´".
Hurt avalia que a oposição aos biocombustíveis não estava suficientemente organizada em 2007, quando a lei foi aprovada pelo Congresso, mas nunca foi tão forte quanto agora. "À época, predominou a obsessão por reduzir a dependência do petróleo - fazia mais sentido dar dinheiro aos fazendeiros americanos do que aos ´terroristas´ do Oriente Médio - e reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Eram argumentos bons, especialmente porque não havia ninguém argumentando do outro lado".
Segundo o economista, os americanos devem adicionar pouco mais de 13 bilhões de galões de etanol à gasolina em 2013, o que corresponde a aproximadamente 10% do consumo total do combustível fóssil. "Estamos misturando tudo o que podemos. Não há como ampliar o consumo". Hurt afirma ainda que, diante das restrições à expansão da produção, a indústria do petróleo "sente que agora tem a oportunidade de matar qualquer avanço no programa de biocombustíveis".
Uma revogação da RFS, diz, seria "catastrófica" do ponto de vista da demanda. "Semanas atrás, deixei isso claro aos congressistas: ´Se vocês querem ver a agricultura americana e mundial entrarem em colapso, ouçam esses produtores de aves e acabem com o RFS´", afirma Hurt.
Segundo ele, a medida poderia criar um cenário de depressão, semelhante ao que se sucedeu ao fim da Primeira Guerra Mundial, quando os produtores franceses voltaram a plantar trigo e abastecer a Europa, minando a demanda que havia sido construída para o trigo americano.
"A outra possibilidade é o governo determinar que vamos usar o maior volume de etanolpossível, mas adequando a RFS aos níveis de produção, o que significa preservar a nossa base de demanda". Não havendo mudanças drásticas na política americana, diz Hurt, a tendência é que os preços dos grãos fiquem estáveis nos próximos anos. "Meu palpite é que viveremos um ciclo semelhante ao que se seguiu à Segunda Guerra, quanto tivemos um ´boom´ seguido de acomodação até os anos 1970. Mas isso depende do Congresso americano, e uma coisa que aprendemos é que o Congresso pode votar qualquer coisa".
Gerson Freitas Jr.
Fonte: Valor Econômico