quinta-feira, 18 de outubro de 2012
A vida depois da Ypióca
Everardo Telles não bebe cachaça, mas ainda a produz. Levou um ano e meio para que a negociação de venda da Ypióca, criada por seu bisavô há 165 anos, para a inglesa Diageo fosse concluída. A marca está em novas mãos, mas parte da produção continua com a família, que vende 60% da aguardente que o novo proprietário engarrafa.
A Ypióca nunca foi posta à venda, mas a Diageo foi a terceira interessada a bater à porta de Everardo com propostas. Manter viva a marca e o patrimônio histórico que ela carrega foi condição nas negociações, além dos mais de R$ 930 milhões pelos quais a empresa foi vendida, valor não confirmado por Everardo.
O dinheiro será investido em novos negócios, em áreas que Everardo diz ainda não ter definido. Certamente, algo inovador, próprio de quem investe em pesquisas para a cura do câncer há onze anos. Os resultados, ele adianta, devem ser submetidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em até dois anos.
Quarta geração da família à frente dos negócios, Everardo comanda as empresas com os filhos mais velhos - Aline e Paulo Telles. Com netos de idades entre um e dez anos, ele pensa na perpetuação da empresa familiar: o novo Grupo Telles.
OPOVO - O que mudou na sua vida com a venda da Ypióca?
Everardo Telles - Continuo com todas as atividades, a única que não estou mais praticando é a comercialização de cachaça. Mas todas as outras fábricas estão produzindo, a de etanol, de papel, de plástico, agropecuário. Todas elas continuam normalmente e meu tempo continua bem ocupado.
OP - Sua grande aposta é etanol?
Everardo - Temos três fábricas hoje. Uma faz aguardente e fornece para o novo proprietário (Diageo). As outras duas produzem etanol, uma em Jaguaruana, outra em Ceará-Mirim (RN). As de etanol também podem produzir aguardente.
OP - Como está sua busca pelo remédio da cura contra o câncer?
Everardo - A cura do câncer está sendo pesquisada nacionalmente, principalmente no Hospital do Câncer de Barretos (SP). As pesquisas já estão bem avançadas, a expectativa é de que já estejamos em fase final do projeto em um ou dois anos. O resultado vai ser encaminhado à Anvisa, que analisa e autoriza lançar o produto no mercado. Estamos com cientistas no Sul e no exterior - França, Alemanha, Inglaterra - desenvolvendo pesquisas para um novo remédio para a dor. Essa deve sair até antes que a do câncer. A do câncer é complicada porque tem vários tipos, é uma pesquisa que já tem 11 anos, mas estamos na reta final.
OP - Esse remédio será para todo tipo de câncer?
Everardo - É para alguns tipos de câncer de mama. Também câncer de pâncreas, pulmão, rins e outros tipos. Ele deve ser tomado conjuntamente com o tratamento quimioterápico, porque ele atua nas células cancerígenas, expulsando o vírus do câncer, e a quimioterapia mata aquele vírus. A quimioterapia mata células cancerígenas e boas, mas o vírus fica escondido em células boas, se você não fizer a quimio, ele sai do esconderijo e vai se multiplicar, por isso tem que tomar. O remédio vai expulsando o vírus e a quimio mata. Aí você encontrou a cura do câncer.
OP - Qual o ativo? Algo novo?
Everardo - Foi tirado de uma planta, o avelós. A pesquisa começou pelas garrafadas que as pessoas tomavam e já salvou muita gente. Mas tinha efeitos colaterais porque não era puro, tinha outras substâncias tóxicas. O cientista identificou o que atuava e tirou o principio ativo, o eufol e o engenol. Ele purificou e ficou isento de efeitos colaterais, aí fez um comprimido, que está sendo usado nos pacientes.
OP - Como o senhor entrou nessa pesquisa?
Everardo - Fui procurado por alguém que tinha tomado, que soube do efeito, gente humilde que não tinha como continuar na pesquisa. É um trabalho contínuo, de custo alto para poder isolar o princípio ativo e ele ser usado na cura da doença. Encaramos esse desafio como investidor, financiamos todo o custo do projeto. Criamos uma empresa, a Amazônia Fitomedicamentos , onde o financiador de todo o projeto somos nós, a Agropaulo, sócia majoritária, que financia 100% do projeto. Temos outros sócios, as pessoas que trouxeram projeto.
OP - A família está toda envolvida nesses projetos?
Everardo - O grupo é o mesmo, a direção, os sócios, que é a família e dois outros diretores. Do grupo, só saiu parte, a fábrica de Paraipaba, o engarrafamento e uma marca.
OP - Qual o nome do grupo agora? Grupo Telles?
Everardo - Foi só uma empresa, mas foi a que deu início a tudo... É, o nome Ypióca tem 165 anos e entrou na negociação porque havia interesse (da Diageo) em lançar um produto com a nossa qualidade, know how, segredos industriais. Havia interesse em uma boa cachaça, principalmente, com respaldo do nome. Exatamente o nome construído em tantas gerações, com preocupação com o nome do produto e atitudes comportamentais da empresa. Foi o que fez a solidez, o sucesso: comportamento e qualidade do produto.
OP - A Ypióca foi procurada ou posta à venda?
Everardo - Foi procurada. Foi no início do ano passado e ficamos até agora, julho, nessa longa negociação, tendo sido concluída em agosto.
OP - Foi um processo difícil?
Everardo - Foi sim, são muitas variáveis, tem muitos detalhes envolvidos nas negociações.
OP - A venda, de uma empresa familiar, envolveu questões passionais?
Everardo - Não. A gente encarou como uma oportunidade, já que tinha outros negócios, e resolvemos concordar com a proposta.
OP - Foi uma decisão consensual na família?
Everardo - Sim, toda a equipe que dirigia o grupo estava de acordo com a negociação.
OP - Qual foi o objetivo da venda?
Everardo - Em princípio, a receita da venda deverá ser voltada no início para ampliação dos negócios remanescentes e expansão em novos negócios, mas só depois que tiver feito um planejamento de ampliação dos já existentes.
OP - Que novos negócios?
Everardo - Ainda não estudamos, mas uma das características do Grupo sempre foi a diversificação das atividades. Achamos que isso dá mais segurança do ponto de vista econômico financeiro. Se por algum motivo o mercado de um deles não vai bem, tem outros produtos que podem continuar sem afetar a segurança financeira do Grupo.
OP - Contou a favor da venda o fato de a Diageo manter a marca viva?
Everardo - Esse ponto foi positivo. É uma empresa mundial. Eles irão perpetuar o nome, não na nossa gestão, mas na deles. Irão continuar num patamar alto com relação a utilização do nome, mantendo a qualidade do produto.
OP - Isso foi acertado nas negociações, uma condição?
Everardo - Na negociação, o interesse deles era adquirir uma cachaça, que é a melhor do Brasil, com o melhor nome. Uma aguardente diferenciada, premium, com know how e segredos que vieram de Portugal.
OP - O senhor já havia recebido propostas antes?
Everardo - Já, duas. Mas essa terceira, pela segurança que tivemos em manter o nome da empresa, a capacidade financeira deles para adquirir deu a possibilidade de o negócio se concretizar. Então resolvermos fazer essa negociação.
OP - O senhor estaria disposto a vender outras empresas do Grupo?
Everardo - Na verdade, eles queriam era ter a marca e uma das indústrias. Eles produzem 40% da necessidade deles e, nas negociações, nos comprometemos a fornecer o complemento dessa aguardente. Nós continuaremos a produzir etanol e aguardente.
OP - Além da aguardente, vocês também fornecem matéria-prima?
Everardo - A matéria-prima também é nossa e de fornecedores da região. A empresa com que ela ficou vai manter a mesma estrutura, produção e fornecedora de cana. Continua como se dela fosse. Isso acontece com outras empresas nossas remanescentes.
OP - A sua indústria que produz etanol também produz cachaça?
Everardo - A indústria é a mesma. Tem equipamentos que podem produzir aguardente ouálcool alternadamente. Posso produzir aguardente por um período, etanol por outro.
OP - Isso quer dizer que podemos ter uma aguardente Telles em breve?
Everardo - No contrato, temos o compromisso de passar ao menos cinco anos sem produzir aguardente. (risos)
OP- Então a teremos em seis anos?
Everardo - Possivelmente, não. Vamos desenvolver outras atividades, tem algumas que são bem interessantes. Não pretendemos mais entrar em bebidas alcoólicas destiladas, não.
OP - Vender bebida alcoólica é algo que os incomoda?
Everardo - Não. A quinta geração já estava praticamente administrando todo o Grupo. Nós iríamos continuar, talvez, com a sexta geração. Isso continuaria...
OP - Seus netos frequentam as empresas?
Everardo - Não, eles são muito novos. A mais velha tem 10 anos, ainda não vem.
OP - Havia um cansaço em tocar uma marca tão tradicional?
Everardo - Tinha a responsabilidade de manter o nome, o perfil, a qualidade. Realmente, tem que estar sempre muito focado, ligado. Mas não era cansaço.
OP - Qual sua relação emocional com a marca?
Everardo - Era um processo natural. Os princípios de conduta e comportamento da empresa já estavam sedimentados. Só tínhamos que nos preocupar em manter. Tudo precisa ser alimentado, o próprio amor, que faz parte da empresa, precisa ser alimentado. Tem que manter atitudes corretas. Sustentabilidade, que é algo que sempre tivemos, antes de estar em moda. Temos um serrote logo atrás da indústria, nunca tiramos madeira dela, a mata é virgem. Nem gosto de citar porque parece promoção, mas fazemos muito investimento na área social.
OP - Essa preocupação também existiu com seus funcionários na venda?
Everardo - Foi tanta preocupação que, na negociação, tem acordo de que funcionários devem permanecer na empresa por um ano ao menos. Verdade que eu também não posso puxar esses funcionários de volta (risos).
OP - Vocês estão em segmentos inovadores, como o farmacêutico. Como inovar em um segmento como aguardente?
Everardo - Toda a atividade é passível de melhoria, inovação e transformação. Isso é uma característica da família, buscar oportunidades, coisas diferentes.
OP - O senhor cresceu dentro da Ypióca. Não foi difícil vendê-la?
Everardo - Continuamos com a maioria do Grupo, no ambiente onde fui criado. A única coisa que saiu foi uma parte de uma empresa do grupo. As outras atividades, as fazendas, continuam. Tudo continuou como antes, inclusive a sede da empresa continua no mesmo lugar.
OP - Nada mudou?
Everardo - Alguns funcionários, em nível de gerência, foram para a Diageo porque não fazia sentido ficar com a gente, como a parte de comercialização de bebidas. Não fazia sentido ficar com ela, assim como o marketing era para bebida. Etanol, por exemplo, não precisa de marketing, nem de comercial. Nosso marketing está bem reduzido porque não temos um produto para o consumidor final.
OP - Como foi essa infância nas empresas?
Everardo - Morei e estudei na fábrica onde tudo nasceu, em Maranguape, que se transformou no Museu da Cachaça, no Ipark. Lá, tem uma casa que meu pai construiu quando casou. Nasci e permaneci lá até os sete anos, depois vim para Fortaleza. Estudei na escola dentro da própria fazenda, depois vim para Fortaleza, fui para o Rio (de Janeiro), passei um tempo fora no exterior. Voltei e me formei em agronomia, fiz especialização em economia. Mas, durante essa época de faculdade, já estava na empresa.
OP - E quando tomou sua primeira dose?
Everardo - Nunca bebi nenhum produto alcoólico (risos).
OP - Como vender e produzir algo que você não consome?
Everardo - Foi uma opção. Meu pai não bebia, tomava um vinho raramente. Meus filhos não bebem.
OP - Já experimentou?
Everardo - Sim, mas não gostei. Todo vício é assim, você não gosta quando prova, mas acaba se viciando. O cigarro você não gosta no primeiro trago, mas termina se viciando. Criança quando toma pela primeira vez Coca-cola também não gosta, depois se vicia. Se insistir, acha que vale à pena, acostuma e gosta.
OP - Cachaça é como cigarro?
Everardo - Cachaça é diferente do cigarro porque faz bem. É bom para a saúde desde que você saiba tomar. A bebida, tomada responsavelmente, é benéfica para a saúde, para o coração.
OP - Para ter um negócio, é preciso gostar, não? Se o senhor não bebe...
Everardo - É um negócio que você cria, aprende a gostar. É uma indústria interessante a sucroalcooleira porque envolve desde a produção da cana-de-açúcar, álcool, aguardente, rum. É um processo industrial interessante, bonito. Você convive com aquilo e gosta. Realmente, tem que fazer as coisas com amor.
OP - O senhor ficou satisfeito com a negociação?
Everardo - Nem insatisfeito, nem satisfeito (risos). Foi uma operação boa para ambas as partes, para a outra parte até acho que foi mais vantagem. Para nós, não foi bom negócio, mas também não foi mau negócio. A operação, simplesmente, envolvia muito tempo. Quando lida com consumo de massa tem que se preocupar muito com atendimento, com a qualidade do produto. O que é para consumo humano deve ter atenção redobrada.
OP - Em algum momento o senhor se arrependeu?
Everardo - A gente é determinado. Depois de fazer, olhamos para frente, não para trás.
Fonte: O Povo Online
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